sexta-feira, 23 de junho de 2017

A DESCONSTRUÇÃO DA MALDIÇÃO


Os adeptos da teoria da maldição hereditária não se cansam de propagar seus falsos ensinos. Normalmente se utilizam de palestras, pregações e livros para divulgar a ideia que já deveria ter sido sepultada desde a década de 90 do século passado. O fato é triste e só contribui para o empobrecimento da Igreja.

Segundo alguns, a maldição hereditária advoga que: “(...) se alguém tem algum problema relacionado com alcoolismo, pornografia, depressão, adultério, nervosismo, divórcio, diabete, câncer e muitos outros, é porque algum antepassado viveu aquela situação ou praticou aquele pecado e transmitiu tal pecado ou maldição a um descendente. A pessoa deve então orar a Deus a fim de que lhe seja revelado qual é a geração no passado que o está afetando. Uma vez que se saiba qual, pede-se perdão por aquele antepassado ou pela geração revelada e o problema estará resolvido, isto é, estará desfeita a maldição”[1].

O texto mais usado para dar base à chamada maldição hereditária é Êxodo 20:4-6: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem, e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos”.

Contudo, uma interpretação adequada do texto mostrará que não é possível tirar as conclusões da maldição hereditária do mesmo. Tentaremos mostrar, portanto, que mais uma vez, alguns líderes estão compartilhando heresias importadas dos EUA, baseadas no empirismo místico em detrimento de uma coerente interpretação e aplicação bíblica. Se não, vejamos.

O primeiro ponto a se observar é que o contexto de Êxodo 20:4-6 traz uma advertência contra idolatria. Não farás para ti imagem de escultura. Logo, qualquer análise séria do texto deverá levar esse plano de fundo em consideração. Quando o texto fala da “iniquidade dos pais nos filhos” será que não está se referindo à idolatria? Ou a problemas de adoração ao verdadeiro Deus? Logo, de forma alguma é possível generalizar o sentido do texto para caber qualquer pecado: alcoolismo, adultério, pornografia, etc. O texto não fala disso.

Depois, um aspecto despercebido por muitos, é que o “Deus zeloso” é o agente da ação. Eu sou o SENHOR teu Deus, Deus zeloso. Ele é quem faz e executa a obra de “visitar” os filhos. Ora, isso é muito diferente do que a corrente da maldição hereditária afirma. Pois, lá quem age é Satanás e seus demônios aprisionando as pessoas nos pecados dos ancestrais! Lá, Deus deve ser invocado para desamarrar o que o diabo aprisionou. Mas, aqui, em Êxodo, é o próprio Deus quem age! É o “Deus zeloso” que faz com que os homens e sua idolatria sejam punidos.

Outra parte mal compreendida é: “visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração”. O texto tem suas dificuldades próprias e uma das recomendações básicas de uma boa interpretação é que um texto obscuro deve ser entendido a partir de uma base mais clara. Além disso, a Bíblia não pode contradizer-se a si mesma, ou seja, quando houver uma analogia bíblica em conflito, o intérprete deverá se esmerar para que sua interpretação seja autêntica e harmonize as aparentes discrepâncias. Seguindo tais recomendações, vemos que se “visito a iniquidade dos pais nos filhos” for interpretado como uma maldição que passa de pai para filho, entrará em aparente contradição com Ezequiel 18:1-9: “E veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Que pensais, vós, os que usais esta parábola sobre a terra de Israel, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram? Vivo eu, diz o Senhor DEUS, que nunca mais direis esta parábola em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá.” Pois Ezequiel mostra que o pecado, a culpa e o juízo é individual. Mostra que o pecado dos pais não terá efeito e cobrança direta nos filhos! Como compreender, então, a aparente contradição? Precisamos analisar o texto mais complicado à luz do mais claro. Obviamente, Ezequiel apresenta um texto bastante simples e claro. Logo, revisitaremos Êxodo, em busca de soluções. Eis algumas considerações do o texto de Êxodo em questão: 1) “fica claro que Deus não pune os filhos por causa das ofensas de seus pais, mas se os filhos cometerem o mesmo pecado de seus pais, serão punidos da mesma maneira (‘daqueles que me aborrecem’)”[2]. 2) “É verdade que os filhos que repetem os pecados de seus pais têm toda a possibilidade de colher o que seus pais colheram.”[3]. “Ezequiel está falando que a culpa que os pais têm, por terem pecado, não se transfere para os filhos; mas Moisés referia-se às conseqüências dos pecados dos pais, dizendo que estas passam para os filhos. Infelizmente, se um pai é alcoólatra, os filhos poderão sofrer abusos e até mesmo a pobreza. Da mesma forma, se uma mãe contrai Aids pelo uso de drogas, então o seu bebê pode nascer com Aids. Mas isso não significa que aquela criança inocente seja culpada dos pecados de seus pais”[4]. Observa-se nos comentários acima que duas são as opiniões preponderantes acerca do texto: os filhos pecam da mesma forma que os pais, e os filhos sofrem as consequências naturais, e não espirituais, dos pecados dos pais. Em ambos os casos, não há uma maldição hereditária! Esse é o consenso geral do cristianismo protestante.

Não nos esqueçamos de que tudo isso está relacionado com “aqueles que me aborrecem”. Em hipótese alguma se aplica a um servo do Senhor, fiel e obediente a sua Palavra. É oportuno vermos a tradução da NTLH sobre essa parte: “Eu castigo aqueles que me odeiam, até os seus bisnetos e trinetos”[5]. Diferentemente, aqueles que são de Deus, que fazem sua vontade, o texto afirma que a bênção do Senhor os acompanhará e suas consequências naturais se espalharão por mil gerações.  A proposta da quebra de maldições para crentes, então, fica sem fundamento. A maldição hereditária, se existisse, no máximo, alcançaria o ímpio.

Por fim, esperamos ter ficado claro neste pequeno texto a impossibilidade de tal doutrina estar correta, pelo menos na medida em que se baseia em Êxodo 20:4-6. Ademais, alertamos a Igreja para não se fazer preza de vãs filosofias e sutilezas da mentira.

Que Deus tenha misericórdia de nós!


Fonte: http://teologiacritica.blogspot.com.br/


[1] ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise: decadência doutrinária na igreja brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 1999. p. 81.
[2] DAVIDSON. F. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1997.
[3] ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise: decadência doutrinária na igreja brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 1999. p. 82.
[4] GEISLER, Norman, HOWE, Thomas. Manual Popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia. São Paulo: Vida, 2001.
[5] BÍBLIA DE ESTUDO NOVA TRADUÇÃO NA LINGUAGEM DE HOJE. Barueri-SP: SBB, 2005.

Um comentário:

  1. Excelente artigo. uma verdade que a igreja atual precisa saber para não sofrer por males que lhe são impostos como carga. A teoria da maldição hereditária tem sido um instrumento para o povo cristão carregar fardos pesados. Jesus já nos libertou. Vamos jubilar e vivem em paz

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