
Disciplina na igreja — a própria
frase parece trazer à mente da maioria dos cristãos um desfile de horrores.
Parece que a nossa imagem atual da disciplina eclesiástica é aquela de tiranos
repressivos e alheios, nos dizendo o que podemos e o que não podemos fazer.
Isso não nos surpreende quando consideramos os incidentes públicos de abuso de
autoridade tanto dentro quanto fora da igreja. Também há a ideia de que a
disciplina na igreja parece alheia ao nosso entendimento moderno de liberdade
cristã, um entendimento no qual o indivíduo cristão é seu próprio juiz em todas
as questões concernentes à fé e à vida cristãs. Mas para entender o motivo pelo
qual a disciplina eclesiástica tem sido considerada uma “marca” na igreja
historicamente, devemos nos lembrar do verdadeiro propósito da disciplina na
igreja.
Uma marca da igreja
Desde o tempo dos reformadores, para
distinguir entre uma igreja verdadeira e uma igreja falsa, teólogos têm
descrito três “marcas” da igreja: a pregação adequada da Palavra de Deus, a
administração apropriada dos sacramentos e a administração apropriada da
disciplina eclesiástica. Embora não seja controverso pensar que uma igreja
verdadeira ensinaria a Palavra de Deus e obedeceria o mandamento de Cristo para
observar os sacramentos, muitos cristãos duvidariam que a disciplina
eclesiástica é necessária para se ter uma verdadeira igreja. Na realidade,
contudo, a ideia da disciplina na igreja é um paralelo essencial às primeiras
duas marcas. Afinal, a Bíblia não nos diz que não é suficiente que a Palavra
seja ensinada e pregada apropriadamente, mas que ela também deve ser obedecida
e praticada (Rm 2.13; Tg 1.22)? E como a igreja pode administrar os sacramentos
apropriadamente sem determinar a quem eles se aplicam? A disciplina
eclesiástica é o mecanismo que o Senhor decretou para designar e edificar a sua
igreja, a família de Deus.
A igreja não é apenas uma organização
— é a personificação do propósito e do plano de Deus para redimir pecadores e
reconciliá-los consigo mesmo. O mesmo crente em Jesus Cristo que é justificado através
da fé também é adotado através da fé. Nosso grande Deus triuno
não se satisfaz apenas com o fato de seu povo ser declarado não culpado diante
do seu trono de julgamento (Rm 5.1). Ele também torna cada pecador redimido seu
filho, parte da família de Deus (João 1.12). Quando vemos a igreja como uma
família, começamos então a ver o propósito e a bênção da disciplina
eclesiástica. Assim como pais e mães que carinhosamente amam os seus filhos
devem tomar tempo para corrigi-los e encorajá-los, pastores e presbíteros que
amam o Senhor e o povo do Senhor devem tomar tempo para corrigi-los e
encorajá-los.
Disciplina e discipulado
Para melhor apreciar a posição da
disciplina na vida da igreja, devemos vê-la através de uma lente bíblica em vez
de tentarmos enxergá-la por meio de casos individuais que possamos ter ouvido
(ou experimentado). A palavra disciplina traz à tona imagens
de julgamento e punição que podem nos colocar imediatamente na defensiva. Mas
esse não é o uso bíblico primário da disciplina. A disciplina bíblica está mais
relacionada com outra palavra bíblica bem conhecida: discípulo. Um
discípulo é alguém que é ensinado (Mt 10.24), e no Novo Testamento, discípulo tem
uma especial referência a aprender a observar todos os mandamentos de Jesus
(28.19-20). De maneira similar, disciplina é aprender os caminhos do Senhor.
Paulo usa a palavra nesse sentido em Efésios 6.4: “Pais, não provoqueis vossos
filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do
Senhor”. De fato, a palavra do Novo Testamento para disciplina é a mesma
palavra grega que é usada para educação ou instrução (especialmente de
crianças) em um sentido mais amplo. Disciplinar alguém é treiná-la no caminho
em que ela deve seguir (Pv 22.6) e edificar alguém que é querido (Hb 12.5-11)
por amor (Ap 3.19).
Esse modelo bíblico também nos ajuda
a entender que a disciplina eclesiástica é necessária para o nosso crescimento
na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo. Se disciplina é o trabalho
de um pai amoroso que instrui os seus filhos, como podemos recusar a instrução
do nosso Pai celestial? O Senhor concedeu pastores à sua igreja para o
propósito de edificar e capacitar o rebanho, e ele usa esses pastores como meio
para disciplinar o seu povo (Ef 4.11-16). Em primeiro lugar, disciplina começa
com instrução a partir da Palavra de Deus. Disciplina na igreja nunca deveria
começar no estágio de algum tipo de ação formal. Ela começa com os líderes da
igreja dando direção, instrução e admoestação a partir da Bíblia. Para que
sejamos edificados pelo Senhor, devemos conhecer os mandamentos do Senhor. Para
sermos colocados no caminho correto, devemos conhecer os caminhos do Senhor. Em
um sentido muito real, se não desejamos ser parte de uma igreja que pratica a
disciplina eclesiástica, estamos desistindo do privilégio de
sermos instruídos e constrangidos pela Palavra de Deus.
Como deve ser a disciplina na igreja?
Se a disciplina eclesiástica é uma
marca de uma igreja legítima, e se isso é uma extensão da disciplina amorosa de
Deus para com seus filhos, por que ela não é praticada em mais igrejas? Por que
ela é tão subestimada? A resposta para tais perguntas é frequentemente
encontrada na maneira comoa disciplina eclesiástica é (mal) praticada. Assim
como os pais devem cuidar de aplicar fielmente e biblicamente disciplina
a seus filhos, os líderes da igreja devem usar a sua autoridade com coerência e
amor. O Antigo Testamento está cheio de advertências sobre os perigos do
favoritismo (como Jacó com José e seus irmãos), e a falha em aplicar a
disciplina (como Eli e seus filhos). O Senhor de fato disciplina aqueles a quem
ele ama (Hb 12.6), e a igreja também deve fazê-lo. Mas nunca podemos nos
esquecer que a disciplina eclesiástica é um exercício de amor. Isso significa
que a disciplina na igreja não é algo que deve ser buscado apenas após uma
situação não parecer mais ter jeito. Disciplina não é a “gota d’água”, onde o
julgamento é pronunciado. Disciplina eclesiástica bíblica é uma cultura de
responsabilidade, crescimento, perdão e graça que deve permear as nossas
igrejas. Cada membro de igreja tem a responsabilidade de ajudar os outros em
suas lutas contra o pecado — não através de julgamento e críticas, mas, ao
invés disso, com gentileza e visando à restauração, sabendo que ele mesmo
também está sujeito à tentação (Gl 6.1). Mateus 18 não descreve uma espécie de
litígio alternativo; é uma cartilha sobre como abordamos amorosamente uns aos
outros, pacientemente esgotando os passos menores (por exemplo, ir até a
pessoa) antes de passar para os passos maiores (por exemplo, levar à igreja).
Os líderes da igreja devem sempre se
lembrar que a autoridade que eles possuem quanto à disciplina não vem deles
mesmos, mas é a autoridade de pastoreio de Cristo. Esta é a igreja de Cristo
(Ef 1.22-23; Cl 1.18), e é ele quem a está edificando para torná-la sem mácula
(Ef 5.27). Os líderes, portanto, devem fazer todo esforço para evitar agir de
maneira dominadora e tirânica simplesmente para resolver rapidamente os
problemas (1Pe 5.3), ou demonstrando parcialidade em disciplinar alguns
enquanto ignora outros (Tg 2.1). Os membros devem saber que o processo de
disciplina não é um método secreto de punição, mas é a maneira de Deus
restaurar pecadores, curar relacionamentos e honrar a sua Palavra. Os líderes
não devem temer que a disciplina na igreja seja vista à luz do dia, ao passo
que, ao mesmo tempo, devem empregar todo esforço para proteger a reputação dos
membros de desnecessária notoriedade e potenciais fofocas. O fim almejado não é
simplesmente resolução, mas o fortalecimento de crentes individuais e de todo o
corpo de Cristo.
Qual é o propósito da disciplina na
igreja?
Por último, a disciplina eclesiástica
é algo que requer oração, reflexão e coerência, porque possui propósitos
importantes na vida da igreja. Há três propósitos principais para a disciplina
na igreja. Primeiro, a disciplina na igreja existe para recuperar o pecador de
volta à igreja, e em última análise, ao Senhor. A disciplina eclesiástica que é
praticada em amor é uma poderosa maneira de confrontar um pecador com seu
pecado e mostrar que a igreja o ama, não desistirá dele e deseja vê-lo
restaurado à plena comunhão. Em um sentido muito real, a disciplina pode ser a
atuação do evangelho diante dos nossos olhos. Devemos reconhecer o nosso
pecado, nos arrepender e pedir perdão, o qual é livre e plenamente concedido.
Segundo, a disciplina é necessária
para manter a pureza da igreja e seu testemunho diante de um mundo vigilante.
Isso não significa que colocamos uma máscara hipócrita de perfeccionismo, mas
admitimos diante do mundo que a Palavra de Deus é o padrão para as nossas vidas
e que somos verdadeiros cristãos — não perfeitos, mas perdoados.
Por último e mais importante, a
disciplina na igreja é feita para a glória de Deus. Cristãos são exposições
vivas da glória de Deus, e nós mostramos muito mais a sua glória quando lutamos
para refletir seu amor e seu santo caráter (Ef 3.10). Que maneira melhor de
mostrar que um Deus santo é um Deus amoroso do que através da disciplina?
Conforme buscamos a restauração daqueles que tropeçam, em espírito de amorosa
humildade, colocamos em exposição uma honorável conduta que apontará para
aquele que é a fonte de toda a restauração no universo (1Pe 2.12).
Tradução: Alan Cristie.
Fonte: http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/658/Disciplina_na_Igreja_Castigo_ou_Amor
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